quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O que é de quem?


Uma postagem recente do poeta e compositor Ademir Pedrosa no Facebook me instigou a publicar este breve texto. Ademir diz o seguinte:

Há uma carrada de textos na internet atribuída a Luís Fernando Veríssimo que não é dele. Há um artigo horroroso (do ponto de vista analítico) contra o Big Brother que ele já declarou que não é dele. Aliás, esse artigo fez muitos intelectuais de araque acreditarem que o BBB é uma bosta porque Veríssimo sentenciou. Pra quem não sabe distinguir alho de bugalho, aí vai uma dica: ‘Há uma maneira de detectar se o texto é falso ou não: se o Luís da assinatura for com Z, o texto não é meu. Se for contra o Bolsonaro, é’."

Uns pares de anos atrás circulou pela internet uma carta de despedida atribuída ao escritor Gabriel García Márquez - segundo a carta, à beira da morte. Eu fui uma entre os leitores que se desmancharam em lágrimas, mesmo sem ter lido a carta, pois conhecia que o escritor estava em tratamento de um cancro linfático. Os leitores mais atentos duvidaram que García Márquez tivesse escrito um texto tão sentimental. E não estavam errados. A carta foi escrita por um ventríloquo mexicano para um espetáculo chamado La Marioneta.

Quem jogou na internet o (péssimo) texto sob a culpa de García Márquez só Deus sabe. É o que em inglês se conhece por hoax. Um embuste, ao pé da letra. Para encerrar a conversa em que lamentou a repercussão da carta, o escritor disse: "Mais valia morrer com um cancro linfático do que ter escrito uma carta de despedida daquelas". Genial!

Outro exemplo de hoax é um texto que circula há anos pela internet como se fosse de Maiakovski. O poema é do brasileiro Eduardo Alves da Costa, chama-se No Caminho com Maiakovski, e este sim, é tão belo que deve ter feito Maiakovski suspirar no túmulo...

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Saudades de Maiakovski

Gostaria que Vladimir Maiakovski tivesse chegado pelo menos aos 50 anos. Que tivesse atravessado os 50 em vez de se fazer atravessar por uma bala aos 36. O poeta operário foi devorado pela revolução russa de Stalin. Uma tristeza e um paradoxo. Ele próprio condenava o suicídio em seus escritos: “A pessoa que deixa voluntariamente a vida leva consigo o mistério de sua decisão. Nenhuma explicação penetra na essência real da atitude tomada. Elas somente entreabrem a cortina sobre o segredo, mas o próprio segredo permanece escondido atrás do final triste da vida”.

Assim como gostaria de percorrer a web e encontrar textos de protesto sobre a atual sem-vergonhice política brasileira, gostaria de ler um poema que Maiakovski tivesse escrito aos 50, depois de ter testemunhado por inteiro o regime sanguinário de Stalin. Hoje ninguém mais escreve o testemunho de nada, muito menos em forma de poema.

O poeta da revolução poderia também ter vivido para envenenar o cretino do Stalin, que viveu até os 73 anos e teve tempo para promover o genocídio de pelo menos 20 milhões. Maiakovski desperdiçou um tempo precioso que poderia ter sido vivido para combater, até o dia em que conseguissem pegá-lo, assim como a Trotsky e a muitos outros. E se não o pegassem, faria, em forma de versos, estragos capazes de fazer Stalin morder o próprio calcanhar. 

Gostaria de conhecer o pensamento de Maiakovski aos 50. Pois se hoje é considerado um dos maiores poetas do século 20 e ainda influencia poetas do mundo inteiro, imagine se tivesse vivido pelo menos mais duas décadas. Mas... seria possível Maiakovski se superar? O segredo permanece escondido atrás do final triste de sua vida. Matou-se, talvez, por impotência diante da realidade dos seus dias, e nós, que estamos aqui olhando a vida pelo retrovisor alheio e reclamando do que os outros deixam de escrever, temos direito a pensar o que? De minha parte, ouso  passar a limpo o que disse de início: penso que, por tudo o que disse e fez enquanto poeta, Maiakovski já nasceu com 50